Segunda feira –
por informação do Sr Hugo, corremos para as pirâmides de Teotihuacán. Decidimos ir por conta
própria e foi uma senhora aventura com direito a diligência do oeste.
Para contratar
uma agência, teríamos um problema. Queríamos tempo para fotografar e não entrar
por uma porta e sair por outra. Aliás, as portas são bem longe uma das outras.
Nem pesamos o fator dindin que, diga-se, por nossa conta, saiu por 1/3 do preço
da agência, sem se falar na aventura que foi apanharmos um metro até a estação
Índios Verdes, onde há um terminal de ônibus, vans e tudo que se imaginar, numa
verdadeira babel.E para isso não tem preço.
Mas quem tem boca vai a Teotihuacán. Encontramos um ônibus
que já havia saído do ponto, mas o motorista percebendo três turistas patetas,
gentilmente parou em meio ao trânsito, abriu a porta e pulamos pra dentro do
ônibus. Ônibus? Jizuuuuuuuuuuuuus, a lata velha dava cada solavanco quando o
gentil motorista engatava a primeira marcha que nós sentíamos que a
geringonça ia se desintegrar. Mas foi tranquilo. Bastou entrar na
autovia, na carril para lata velha mostrar que ainda dava no couro.
Sacolejando, foi-se a Teotihuacán nos levando junto. Tive um acesso de riso
imaginando-me fora da lata velha, vendo-a passar toda desengonçada. Importa que
chegamos ao nosso destino pela bagatela de 120 pesos, cerca de 24 reais para
nós três. (Passagem mais cara para turista).
Quê que é isso?
Você desce do ônibus e um enxame de vendedores pula em cima de você oferecendo
tudo! Mantas, máscaras, pulseiras de prata (compra pra ver se é prata),
bugigangas, calendário asteca, objetos de obsidiana, motoristas de táxi que
oferecem para levar ao portão 2, o cacete a pau... E são insistentes!
E andamos e
andamos naquele solão que até Deus duvida. É que cometemos a bobeira de descer
no portão 1 e andamos 3 quilômetros sob o sol inclemente. Juro que foi algum
pagamento de pecado. Seja! Ainda mais que tanto eu como a Io havíamos tido o
mesmo sonho na noite passada. Sonhamos com duas luas. Só que o meu se
transformou em algo muito angustiante. Quando as duas luas se encontravam,
começava uma destruição do planeta. Eu, hein!? Isso não foi sonho. Foi pesadelo.
Passamos no
museu ali perto. Poucas peças, pois as melhores foram levadas para o Museu
Nacional de Antropologia.
Braseiro |
Templo da Serpente Emplumada (cidadela de 150-250 d. C.).
Todas as
tumbas associadas a este Templo apresentam
características únicas já que se tratam de enterros múltiplos cuja quantidade
reflete a importância simbólico-religiosa deste edifício para a sociedade
teotihuacana.
Esse conjunto
de esqueletos corresponde a um grupo de quatro indivíduos do sexo feminino cuja
ornamentação consta de brincos de conchas e colares formados por contas
formados do mesmo material. Parte da
oferenda são pontas de projéteis de obsidiana e discos de ardósia colocados na
parte posterior, à altura do quadril.
Arremate arquitetônico
de alabastro. Representa Vênus (planeta) com atributo do deus Tlaloc com
viseiras e protetores de ouvido. De sua boca sai uma corrente de água e está emoldurada por raios.
Colares com
imitações de maxilares humanos feitos em conchas encontrados nos enterros
associados com o Templo da Serpente Emplumada. Os elementos marinhos
representados neste Templo – conchas e caracóis estavam reacionados diretamente
com a água.
Escultura que
representa o rosto de uma pessoa com deformação facial.O exemplar é um elemento
arquitetônico da Calçada dos Mortos.
Importava que estávamos nos aproximando da pirâmide
do Sol, mas a hora já havia praticamente passado – 12.30h e Carlos já
chorando de fome. Ô hômi frouxo" Para não ouvir os resmungos e depois não
teríamos onde comer mesmo, procurei saber se havia algum restaurante nas
imediações do museu. Indicaram-me, apenas apontado pra fora do parque. No
portão do outro lado havia um enxame de empregados de restaurantes fazendo suas
propagandas, tomando-lhe pelo braço, quase brigando.
Inocentemente
perguntei a um dos encarregados do portão se nos indicava um restaurante. Ele
que acabara de "enxotar" os insistentes propagandistas, falou entre os dentes
– fale com a moça, fale com a moça – aaaaaaaarráaaaaaaaaaaaa, tem esquema aqui
também , na terra do titio Montzuma.
Puxa, tive que
ser até grosseira. Enquanto falava com a moça indicada, um ratito me puxava
para seu restaurante. Paaaaaaaaaaaaaara! Me larga!!! Deixei claro que iríamos
com a moça e essa deu um assobio.
Bastou isso
para que nós três rompêssemos na gargalhada , pois o que nos apareceu foi um
carro, tido como taxi, caindo aos pedaços, arrancou com tudo, levantando poeira
e parou com uma freada violenta bem diante de nós, como para mostrar que o
carro , ops, desculpem, a diligência do oeste estava operante.
Rimos a valer
durante todo trajeto até o restaurante, atravessando a pequena cidade de
Teotihuacán.
Imaginávamos
que estávamos sendo sequestrados, nunca mais veríamos a civilização, adeus
mundo ingrato... e a diligência correndo, ou melhor, serpenteando, bambolejando
entre as ruas estreitas até entrar de uma vez em um portão largo, calçado
apenas com o que seria nossa brita.
Io caiu de
amores pelo restaurante – todo colorido, decoração bem mexicana, plantas para
todos os lados.
O difícil foi
escolher o que comer e, principalmente, convencer ao povo que preparassem
nossos pratos sem pimenta. Ai que fomos saber que pimenta é uma coisa e chili é
outra. Pimenta pra mexicano é uma bolinha preta, maior que as bolas de pimenta
do reino, com cheiro de cravo da índia. O que chamamos de pimenta, tipo
malagueta, é chili e nisso eles são especialistas – há uma variedade enorme de
chilis.
Comemos bem e
Io ainda deitou numa rede convidativa, mas o inevitável se aproximava. Na
verdade era o mais esperado por mim.
Será que eu
aguentaria subir na Pirâmide do Sol? Ainda mais agora, de bucho cheio, duas
horas da tarde, um sol do cão...
Hora de voltar
e dessa vez formos levados pela filha do dono do restaurante em uma camionete
moderna que deu o prego de gasolina tão logo dobrou a esquina. Quando o socorro
da cavalaria chegou, já estávamos sendo embarcados em um taxi de volta às
pirâmides. Aposto que não teríamos esse extra se houvéssemos ido através de uma
agência de turismo.
Eu olhava pra
pirâmide e a pirâmide me olhava me dizendo – e agora, vai me encarar, gordinha?
E eu olhava com inveja o povo que se encontrava no topo da pirâmide.
Mas eu não vim
aqui pra ficar chorando pitangas na base da pirâmide, né? Fiz minha prece, pedi
ao tito Huirachocha que me desse asas, ou será que aqui eu teria que pedir pra
uma águia, símbolo do México? Sei lá. Encarei com gosto de gás, passei direto e
nem vi o desenho de uma serpente na base , bem onde dá-se início à subida. Só
soube dessa serpente depois que voltamos, que o Carlos falou.
E lá fui eu.
Subindo. Subindo. O coração na mão, botando os bofes pra fora, bufando pelo
esforço, calor, peso das minhas dobrinhas... confesso que sou sedentária. Mas
vamos ver no que vai dar.
Audácia! Um
gostosão passou por mim correndo, escalando uma parte em que os degraus são bem
em pé. Não
deixei por menos e falei pra ele - sou a tartaruga, seu coelho! E lá fui eu.
Subia, parava. Nada vergonhoso. Vi muitos jovens e esbeltos bufando, vermelhos
que só camarões no alho e óleo. E fui. A cada lance, parava e agradecia por
haver chegado ali. Nem olhava pra cima pra não ficar ansiosa.
Quando me vi no
último lance, nem acreditei. Só havia à minha frente o que seria o topo, já que
essa pirâmide não tem piramidão, mas um tipo de platô onde era colocado o altar
de sacrifícos. E o povo lá, esnobando os que estavam láaaaaaaaaaaa embaixo,
onde eu estivera até bem pouco tempo.
Não, não sei
quanto tempo levei pra chegar ao topo. A essa altura Io chegou junto, botando
os bofes pra fora. Depois que nos acalmamos – e a respiração queima – choramos
juntas de emoção. Choramos e rezamos por todos aqueles que ali foram sacrificados.
Agradecemos todos as dádivas que recebemos. Agradecemos pelo presente de ali
estarmos, haver conseguido chegar lá em cima.
Mas ainda havia o platô. Esse foi mole.
Dica : use o vértice da esquerda para subir. As pedras são irregulares e um
tênis é a melhor pedida.
Vencemos a
última etapa. As pessoas ali disputavam um quase quadrado de cimento que marca
o ponto mais central e mais poderoso, onde está uma plaquinha diminuta de
um metal claro, onde se costuma colocar o dedo indicador da mão direita e eleva-se
a mão esquerda para o sol, com o rosto voltado para o sol, para a saudação.
Ali estavam
esperando a sua vez de fazer a saudação gregos, troianos, mexicanos, franceses,
japoneses, brasileiros e piauiense – euzinha! Cada um fazia sua reverência como bem
entendia.
O divertido foi
ver e ouvir a reverência, que na verdade foi mais um grito de força de um japa.
Ao final, todos reverenciavam o sol com os braços levantados, fosse qual fosse
a sua nacionalidade.
A visão que se
tem do topo é fantástica. A Avenida da Morte à frente, muitas construções
ladeando a avenida. Ao fundo, do lado direito, a Pirâmide da Lua. Ao seu lado,
o palácio da serpente...
E o lugar onde
os deuses nascem continua vibrante. Ali, todos os dias, milhares de pessoas
circulam fazendo vibrar a energia. Teotihuacán não morreu. Hoje seu
alimento não é o sangue dos guerreiros aprisionados, nem mulheres
julgadas ou escolhidas, ou de algum infeliz capturado e condenado a ter seu
coração arrancado e lançado ao braseiro para que a fumaça leve aos deuses o
presente do povo – leia – do rei. Não precisa mais que o sangue
escorrendo pela ferida aberta pela faca de obsidiana do sacerdote, banhe a
pedra do sacrifício como presente aos deuses para que esses, em troca, dêem a
chuva ao povo.
Não há deuses
guerreiros, com rostos zangados, pavorosos, irados. Não há deusa desejosa de
sangue e carne. Hoje há um pensamento de todos que ali acorrem – um pensamento
de universalidade, pois ali se reúnem e no inconsciente coletivo está a antiga
crença que ali está o umbigo do mundo, como assim acreditavam outros
povos para seus respectivos países.
O umbigo do
mundo está onde EU estou!
Deixamo-nos
ficar no topo da pirâmide por um bom tempo, aurindo a força que dela emana,
afinal os povos antigos não eram tolos, apesar de eu me questionar o por que
esse povo veio construir uma cidade e esses monumentos fantásticos em um lugar
tão inóspito. Não vi qualquer rio nas proximidades. A vegetação é de
deserto, como a vegetação da caatinga. A terra é árida. Enfim, eles deviam saber
mais do que eu, né?
E fiquei lá
matutando o porquê de tudo aquilo e por que, do nada, simplesmente abandonaram
tudo e Teotihuacán virou lenda até ser descoberta novamente.
À minha
esquerda estava o antigo campo de futebol, ou seria melhor dizer quadrilbol?
Aqui, como entre os Incas, o time perdedor não apenas perdia. Perdia a cabeça
também? Vamos investigar.
Ah, o Capitão do time vencido, perdia a bela e corajosa cabecinha.
Ainda fiquei
ali tentando imaginar Montzuma no alto presidindo aos sacrifícios e os
sacerdotes, loucos por poder, ensanguentados e abaixo, o povo... será que o
povo delirava com os sacrifícios? E os deuses, será que eles se regozijavam? Ou
teriam se embebedado tanto que já não atendiam ao rogos e nem aceitavam os
presentes?
Interessante
que, imersas nesses questionamentos, nem via o tempo passar. Não sentia o sol
inclemente, nem sede, nem cansaço, nem senti qualquer desconforto em relação à
pressão alta, nem vontade de ir embora, mas era preciso percorrer todo
espaço, ir à Pirâmide da Lua, na outra extremidade.
Descer os degraus não é tão fácil, pois são estreitos e exigem o maior cuidado. Muitas vezes tive que descer um a um para não escorregar.
Não é difícil
transitar pela Avenida da Morte. Difícil é se livrar dos insistentes
vendedores. Chegar até a Pirâmide da Lua é uma odisseia, mas conseguimos.
Dessa vez, não
quis abusar da sorte e não subi na pirâmide. Só depois observei que os
visitantes só podiam ir ao primeiro patamar. Um gentil vendedor me informou que
estavam escavando e investigando a parte superior da pirâmide, daí estar
fechado à visitação pública. Seja lá como for, agradeci aos deuses que me
levaram ao topo da Pirâmide do Sol e seria deselegante pedir mais. Concordam?
Io subiu
sozinha e fui esperá-la junto ao palácio que ora está sendo restaurado, também
fechado ao público, mas oferecia uma parcial sombra naquele deserto dos deuses.
Deixamos o
parque quando os portões já haviam sido fechados mas ainda havia muitos
retardatários no topo da Pirâmide do Sol.
A volta para o
México foi mais tranquila e em ônibus mais novo e confortável. Encarar a
estação Índios Verdes até ficou interessante.
Chegar ao hotel é que foi QUASE
literalmente de quatro, de tão cansada. Só ai tomei consciência do esforço
despendido. As pernas se moviam no piloto automático, tesas, duras. Mas SUPER
valeu!
Vencida essa
etapa, que venha Chi Chen Itzá!
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